Justiça trabalhista já firmou jurisprudência em situações nas quais o funcionário publica ou até mesmo curte publicações danosas à imagem da empresa
Discussões acaloradas sobre todo tipo de assunto fazem das redes sociais um terreno fértil para deslizes na “conduta digital” de quem não mede as palavras no ambiente virtual. Em algumas situações, pode até não haver má-fé, mas o simples ato de publicar, compartilhar ou até mesmo curtir uma publicação envolvendo a reputação da empresa na qual trabalha, por exemplo, pode sair caro para o funcionário. As decisões da Justiça por ocasião de manifestações impróprias em redes sociais têm se amparado no artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que trata da possibilidade de demissão por justa causa de empregado que tenha praticado ato considerado lesivo à honra ou à boa fama do empregador ou de superiores hierárquicos.
Nos últimos anos, a adesão às mídias sociais tem crescido no Brasil, o que agrava os casos de danos morais causados por uma publicação negativa. Segundo dados do Facebook Brasil, no primeiro trimestre deste ano, a rede tinha 127 milhões de usuários mensais; já o WhatsApp, do mesmo grupo, contava com 120 milhões de participantes. Em números globais, por exemplo, o Brasil conta com a segunda maior rede de usuários do Instagram – eram 50 milhões de usuários entre os 800 milhões em escala mundial, segundo dados da empresa.
Especializada em Direito Digital, a advogada Samara Schuch, do escritório Opice Blum, considera a legislação brasileira evoluída para resolver questões ligadas ao mau uso da internet. “Até o STF [Supremo Tribunal Federal] já decidiu que crimes na internet têm o mesmo peso que crimes no ambiente comum, com a diferença de que a propagação e as consequências são potencializadas. Em paralelo, o Marco Civil da Internet regula direitos de usuários e provedores, como dados de registros à conexão nas redes e remoção de conteúdo. Há ainda leis específicas que abordam a pornografia infantil e a invasão de dispositivos eletrônicos, como a tratada pelo artigo 154-A do Código Penal, conhecido como Lei Carolina Dieckmann”, afirma.
No mundo jurídico, um caso emblemático no âmbito trabalhista ocorreu por decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, em Campinas (SP), que confirmou a demissão por justa causa de funcionário de uma concessionária de motos, em Jundiaí (SP), que “curtiu” no Facebook comentários ofensivos à empresa e a uma das sócias da unidade. A publicação havia sido postada por um ex-funcionário da loja. Na sentença, a juíza Patrícia Glugovskis Penna Martins considerou que “a liberdade de expressão não permite ao empregado travar conversas públicas em rede social ofendendo a sócia-proprietária da empresa, o que prejudicou de forma definitiva a continuidade de seu pacto laboral”.
Em outro caso, mantido sob sigilo, um funcionário de uma companhia aérea criou uma página fake no Facebook para atacar a presidente da empresa, relacionando-a ao uso de drogas e armas em fotos montadas. O corpo jurídico da empresa pediu as informações de navegação ao Facebook. Os registros de conexão eram da operadora Claro, que por sua vez entregou os dados do usuário. O autor terminou demitido por justa causa. “É cada vez mais frequente o excesso cometido por indivíduos que se utilizam de redes sociais para atacar a honra, imagem, intimidade ou privacidade de outros”, diz a advogada Lúcia Helena Fernandes de Barros, do escritório Fialdini Advogados.
A questão judicial muitas vezes esbarra no direito à livre expressão previsto na Constituição. A recomendação é haver bom senso, tanto por parte do funcionário como da empresa.
“A liberdade de expressão acaba onde se encontram os direitos de defesa das empresas. Quando um indivíduo denigre a imagem de outrem, com a deliberada intenção de prejudicar a reputação deste, sem provas, ele precisa ter ciência de que pode ter que responder juridicamente por seus atos”, afirma a advogada Isabela Amorim, do escritório Miguel Neto Advogados.
Comunicação interna
Segundo o advogado Rodrigo Baldo, do escritório Miguel Neto, a prevenção deve começar na empresa. “É de suma importância o treinamento dos colaboradores, com exposição de regras claras e objetivas quanto à utilização de mídias sociais, especialmente se envolver empregado e empregador (direta ou indiretamente e postagens ou comentários em postagens de terceiros)”, afirma.
Há ainda casos em que o funcionário divulga inadvertidamente fotos de produtos ou protótipos ainda sob sigilo (não lançados no mercado), no intuito de mostrar aos amigos que tem conhecimento do que é produzido na empresa. Nestes casos, a lei é implacável. “Ele pode ser demitido por violação
dos direitos da empresa”, diz Samara. Para as empresas, a coleta de provas se tornou mais ágil após a validação da ata notarial, explica Samara Schuch. “O tabelião pode acessar a página na internet e autenticar a prova, que é aceita pelo juiz”, diz a advogada do Opice Blum.
Fraudes online
Outro problema que tem afetado empresas na esfera digital é o das fraudes de falsos representantes comerciais que criam páginas falsas (com logotipo e domínio) na internet. Eles buscam e obtêm os nomes dos principais executivos de uma empresa, ou exclusivamente do profissional responsável pela área de compras, para oferecer um catálogo com produtos ou serviços, tudo de maneira virtual.
“É fácil descobrir os nomes dos funcionários pelo LinkedIn”, lembra Samara. Sempre com dados falsos, o fraudador emite boletos e pede depósito antecipado em conta corrente, que muitas vezes é fechada tão logo seja feito o saque. “Às vezes, é possível bloquear o saque no banco”, alerta a advogada. Nestes casos, a recomendação é que a empresa aprimore os sistemas de segurança por meio de softwares de monitoramento, que alertam em tempo real todas as menções à companhia, e identifique e-mails suspeitos.
Segundo Samara, com a expansão do sistema blockchain (registros criptografados em camadas nos servidores), a tendência é que haja mais segurança em relação aos crimes cibernéticos, tanto na preservação de provas como nas tentativas de invasão a uma rede.
* Este é um conteúdo da revista Gestão Empresarial nº 44. Para acessar a edição na íntegra, clique aqui.
Fonte: GBrasil