No Brasil, expectativa no setor agrícola é positiva, mas há apreensão em alguns segmentos produtivos
O acordo de livre comércio entre os países da União Europeia e do Mercosul vem causando movimentação em entidades empresariais, escritórios de advocacia e, também, no Senado Federal, onde ocorreu esta semana uma audiência pública, com a participação de técnicos do Ministério da Economia, na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Um resumo oficial do texto do acordo pode ser baixado AQUI
O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, considerou o acordo um marco histórico. “Ele cria um mercado de 730 milhões de consumidores, com um PIB agregado de US$ 21,2 trilhões. O tratado incentivará investimentos europeus no Brasil e acesso às inovações tecnológicas”. A expectativa da entidade é sobre a divulgação dos detalhes finais do acordo, para avaliação do impacto em cada um dos setores da economia. “Acreditamos que o governo brasileiro tem, agora, uma obrigação ainda maior de reduzir o custo Brasil para que as empresas que produzem em nosso país tenham condições isonômicas de competir com as europeias e, assim, aproveitar a oportunidade histórica que se abre a nossa frente”, afirmou Skaf em nota oficial, na última semana. A Fiesp atuou diretamente em prol das negociações do acordo desde o seu início, e mais fortemente após o seu relançamento, em 2010.
“Há a sinalização de que a entrada facilitada de players europeus, em setores hoje estratégicos para o Brasil, vai acirrar a competitividade”. A avaliação é de João Henrique Brum, diretor da Domingues e Pinho Contadores, com uma carteira de clientes significativa na área internacional. O que se tem de informação hoje, segundo Brum, mostra que “a indústria nacional terá que colocar os termos do acordo em suas previsões e se fortalecer para encarar a onda de livre comércio”. Ele pondera, entretanto, que o processo é embrionário, com minúcias ainda não conhecidas. “O texto do acordo precisa ser consolidado e ratificado pelos componentes dos dois blocos comerciais. Como ainda há um longo caminho pela frente, envolvendo interesses e particularidades políticas de 32 países, seria prematuro fazer afirmações sobre seus impactos”, avalia. Há uma estimativa de que o processo de ratificação do acordo comercial leve pelo menos três anos.
O secretário de Comércio Exterior, Lucas Ferraz, afirmou durante audiência pública que a efetivação do acordo produzirá um ganho expressivo para o agronegócio. A exportação de açúcar, hoje limitada a uma cota de 22 mil toneladas por ano, deverá ser aumentada em mais 180 mil toneladas. A exportação de etanol, por sua vez, poderá crescer em mais 650 mil toneladas e a de frango, em 100% dos números atuais.
O acordo tem gerado consultas aos especialistas em comércio internacional de escritórios de advocacia, segundo reportagem do Valor Econômico. Eles estão sendo requeridos tanto por empresas que querem exportar para a UE como por companhias que receiam perder espaço para produtos europeus. O setor vinícola é um dos que estão atentos e preocupados com o acordo.
O presidente da CAE, Omar Aziz (PSD-AM), teme que a Zona Franca de Manaus seja impactada de forma negativa. Segundo o senador, a produção não acessará o mercado europeu, pois enfrenta dificuldades para exportar até mesmo para nações próximas, como Colômbia e Peru, que preferem comprar da China. “Vamos exportar só agronegócio. Não temos nenhuma perspectiva de competir com a Europa nos segmentos de quatro rodas, duas rodas e eletro-eletrônicos. Os europeus vão exportar até copos de vidro para nós”, afirmou.
ENTENDA O ACORDO
Após vinte anos de negociações, o Mercosul e a União Europeia (UE) selaram, em 28 de junho de 2019, um histórico acordo de livre comércio entre os dois blocos, que, juntos, representam cerca de 25% do PIB mundial e um mercado consumidor de 780 milhões de pessoas.
O pacto envolve as 28 nações da UE e os quatro países que integram o Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai), cobrindo temas tanto tarifários quanto de natureza regulatória, como serviços, compras governamentais, facilitação de comércio, barreiras técnicas, medidas sanitárias e fitossanitárias e propriedade intelectual.
Entre outros pontos, o tratado visa agilizar e reduzir os custos dos trâmites de comércio de bens, de forma que produtos comercializados entre os blocos tenham suas tarifas eliminadas, progressivamente, ao longo dos próximos quinze anos.
Com o compromisso, o bloco europeu passa a ser o segundo maior parceiro mercantil do bloco sul-americano, ficando atrás apenas da China. Isso põe fim ao isolamento comercial do Mercosul e pode impulsionar acordos também com outros parceiros estratégicos.
A previsão do governo brasileiro é de que, até 2035, haja um incremento de investimentos no Brasil de US$ 113 bilhões e um acréscimo nas exportações para a UE em torno de US$ 100 bilhões.
As empresas brasileiras serão beneficiadas com a eliminação de tarifas na exportação dos produtos industriais. Com isso, a concorrência com outros parceiros comerciais que já possuem acordos com o bloco europeu ficará equiparada.
Também há a expectativa de que a diminuição de barreiras e o alinhamento das regras impulsionem o trânsito do Brasil nas cadeias globais de valor, contribuindo para movimentar a economia, a partir da geração de novos negócios.
Aspectos tarifários do tratado
Segundo o compromisso, quando o acordo de livre comércio estiver efetivamente implementado, as seguintes questões tarifárias serão contempladas:
• Retirada de tarifas sobre 91% dos produtos que a União Europeia exporta para o Mercosul;
• Retiradas de tarifas de 92% dos produtos que o Mercosul exporta para a União Europeia;
• Eliminação de tarifas de exportação de produtos industriais do Brasil;
• Eliminação de tarifas sobre produtos agrícolas brasileiros, como suco de laranja, frutas, café solúvel, peixes, crustáceos e óleos vegetais;
• Acesso preferencial de exportadores brasileiros para carnes bovina, suína e de aves, açúcar, etanol, arroz, ovos e mel;
• Eliminação de tarifas de exportação de produtos europeus de diversos setores (veículos e partes, maquinários, produtos químicos e farmacêuticos, vestuário e calçados e tecidos);
• Eliminação progressiva de tarifas para chocolates e doces, vinhos e outras bebidas alcoólicas e refrigerantes provenientes da União Europeia;
• Criação de cotas para importação sem tarifas de produtos lácteos, como queijos, da UE.
Outros pontos de destaque
Entre os aspectos não tarifários, podem ser destacados:
• O acordo amplia o grau de liberalização do comércio de serviços, o que inclui setores de telecomunicações, serviços financeiros, entre outros;
• Possibilidade de participação de empresas da UE e do Mercosul em licitações públicas nos dois blocos;
• Compromisso de desburocratização e redução de custos no comércio entre os blocos;
• Compromisso de redução de barreiras para o comércio eletrônico e de promoção de um ambiente seguro para os consumidores.
Temas relacionados a questões ambientais, sanitárias e relativas à abolição do trabalho escravo e infantil também são contemplados pelo tratado.
Próximas etapas
O texto do acordo de livre comércio ainda será revisado e sua versão final traduzida para, então, ser encaminhada à avaliação das partes envolvidas.
A entrada em vigor deve levar tempo, pois ainda é necessário o aval dos parlamentos dos 32 países envolvidos. Além disso, o documento ainda será analisado pelos conselhos de cada bloco econômico.
Fonte: GBrasil