ESC pode mudar até mesmo o cenário de dispersão de recursos das cidades, ao incentivar que o dinheiro oriundo dos empréstimos fique no próprio município
Em abril deste ano o governo sancionou o projeto que cria a Empresa Simples de Crédito (ESC), com objetivo de facilitar o acesso ao crédito com juros mais baixos a empresas locais e reduzir os custos de empréstimos, operações de financiamento e de desconto de títulos de crédito. Confira a íntegra da proposta.
Essa mudança irá introduzir no País a empresa capaz de realizar essas operações de crédito em âmbito municipal, de forma que possa atuar exclusivamente em seu município sede e limítrofes.
A ESC será uma Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli), Empresa Individual (EI) ou Sociedade Limitada (LTDA). Contudo, a legislação estabelece que poderá ser constituída apenas de pessoas físicas e como objetivo único a realização dessas operações de crédito. Além disso, deverá atuar apenas utilizando recursos próprios da empresa. A ESC não poderá se identificar como um banco.
O Ministério da Economia explica que a criação da Empresa Simples de Crédito pode injetar R$ 20 bilhões ao ano em novos recursos para os pequenos negócios do País a partir do momento em que as primeiras mil ESCs entrarem em atividade, o que representa um aumento de 10% no mercado de concessão de crédito a Micros e Pequenas Empresas (MPE), aponta. Em nota, o ministério enfatiza que esse crédito direcionado chegou a R$ 208 bilhões em 2018.
O órgão faz ainda um retrato dos pequenos negócios no Brasil: eles representam 99% (14 milhões) do total de empresas privadas; empregam 55% do total de postos com carteira assinada; são responsáveis por 27,5% do PIB e arcam com 44% da massa salarial paga pelas empresas do País.
O artigo 10 da lei complementar estabelece que o Serviço Brasileiro de Apoio às Micros e Pequenas Empresas (Sebrae) poderá apoiar a constituição e o fortalecimento das ESCs.
De acordo com o analista em Serviços Financeiros do Sebrae, Alexandre Guerra, isso vai funcionar por meio de diversas ações. “A primeira e mais importante é uma divulgação no sentido de ampla sensibilização; estamos nos aproximando dos potenciais interessados em criar uma ESC e os preparando com o passo a passo para constituição e operacionalização de uma empresa. Para tanto, estamos disponibilizando guias e documentos de modelos de contrato social, de direitos e deveres do termo de adesão com a registradora, documentos para a escrituração, documentos obrigatórios para abertura de CNPJ e abertura de conta, e até mesmo os preparando para que possam fazer uma pesquisa de mercado, plano de negócios e de investimentos capaz de lhes dar a eficiência operacional e a sustentabilidade para o empreendimento”, esclarece.
Uma Pesquisa do Sebrae de 2018, realizada por meio de entrevistas com 6 mil empresários, aponta que a maioria dos pequenos negócios no País estava insatisfeita com o sistema financeiro brasileiro, sensação crescente desde 2015, quando o levantamento começou a ser feito. Entre as empresas ouvidas, 86% evitaram buscar novos empréstimos. A alta taxa de juros foi a principal dificuldade apontada para se conseguir crédito no mercado. Os resultados mostram que 70% avaliou o sistema financeiro como regular, ruim ou muito ruim. A pesquisa ainda ressalta que, para 60% dos tomadores de créditos ouvidos, a formação de capital de giro é a principal razão dessa busca.
Mais do que reduzir os juros, a instituição aposta na ESC por outros dois motivos: se trata de um canal alternativo – e mais simplificado – e afeta diretamente as contas municipais. “Há uma série de custos transacionais [na administração de um negócio] devido à quantidade de documentos que são pedidos e na demora no atendimento. A ESC visa dar agilidade a esse processo, e vai ser mais vantajosa do que os meios atuais de financiamento, já que não pedirá taxa por serviço, não terá taxa de abertura de crédito ou muitas outras exigências feitas pelos bancos”, esclarece.
O outro ponto que ele menciona é que a ESC é um agente de desenvolvimento que vem combater a prática de debandada de recursos de municípios. “As agências bancárias e outros instrumentos ou veículos do Sistema Financeiro Nacional que fazem intermediação financeira captam recursos e emprestam para terceiros. O que observamos é que parte desses recursos não ficam no próprio município, vão financiar polos mais dinâmicos do que aquele especificamente. Uma vez que com a ESC esses recursos permanecerão no próprio local, devem promover o desenvolvimento dentro daquele território”, conclui.
Regras para a ESC
O projeto aprovado limita a receita bruta da Empresa Simples de Crédito àquela definida para a Empresa de Pequeno Porte (EPP), isto é, R$ 4,8 milhões. Ainda assim, o valor total de todos os repasses de crédito efetuados pela ESC não poderá superar o capital declarado pela empresa.
A Empresa Simples de Crédito deve ainda estar registrada em uma entidade autorizada pelo Banco Central (BC) ou pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Outra determinação é a de que uma pessoa não pode integrar mais de uma ESC, mesmo se estiverem em municípios diferentes. A norma impede que a empresa faça captação de recursos em nome próprio ou de terceiros, então a ESC não pode tomar crédito de outras instituições, e sua remuneração ocorre apenas com juros remuneratórios; é vedada a cobrança de outros encargos ou tarifas.
A ESC está sujeita aos regimes de recuperação judicial, extrajudicial e ao regime falimentar, estabelecidos na Lei n.º 11.101/05 (Lei de Falências). A norma sancionada também obriga a ESC a manter uma escrituração com observância das leis comerciais e fiscais e enviar a Escrituração Contábil Digital (ECD) pelo Sistema Público de Escrituração Digital (Sped).
A ESC ainda precisa providenciar anotação de informações de adimplência e inadimplência dos tomadores de créditos em bancos de dados.
A empresa deve providenciar um instrumento próprio para realizar a formalização de contratos. A movimentação dos recursos precisa ser feita exclusivamente por meio de débito e crédito em uma conta de depósito dos titulares da ESC e da pessoa jurídica que contraiu o empréstimo.
A norma também define a ESC como uma das entidades a serem controladas pela Lei da Lavagem de Dinheiro (Lei n.º 9.613/1998), o mesmo tratamento dado às empresas de leasing e factoring.
As cobranças do Imposto de Renda (IR) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) será com base de cálculo de até 38,4% da receita bruta da ESC, sem a possibilidade de recolhimento dos tributos na forma de Simples Nacional.
As ESCs estão proibidas de realizar operações de crédito, na qualidade de credora, com entidades integrantes da administração pública direta, indireta e fundacional de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, esclarece a lei complementar.
O advogado do ASBZ Advogados, Leonardo Adriano Ribeiro Dias, explica que quando é construída uma nova figura no mercado de crédito, as limitações de suas atividades fazem sentido a princípio, mas somente a prática irá mostrar se essas normas são excessivas.
“Quando se cria algo novo que contraria o que já está estabelecido no sistema financeiro, algumas ressalvas são necessárias. As limitações de escopo, área de atuação e nível de faturamento são precauções que o legislador adotou de modo a evitar abusos e, principalmente, para evitar a equiparação das ESCs com instituições financeiras – como bancos –, pois há uma diferença sensível entre uma e outra. Por outro lado, o legislador precisou criar um incentivo para que alguém atue nesse mercado, e esse inventivo foi liberar a limitação de juros, que está na Lei da Usura”, aponta.
Ainda que não estejam sujeitas à essa lei que proíbe a cobrança de juros abusivos, ele explica que isso não pode ser entendido como uma carta branca para se praticar qualquer valor. “Certamente essa taxa irá depender da existência de garantias, do risco envolvido em cada operação e do perfil do tomador de crédito, mas a gente não pode entender que, a despeito disso, apareçam taxas de juros exorbitantes e muito superiores às praticadas por instituições financeiras, sob a justificativa de que existe um risco excessivo. Se houver uma cobrança que for muito superior à média de mercado, deve-se procurar entender o motivo, para saber se naquele caso específico a ESC está camuflando uma prática de agiotagem”, esclarece.
Para ele, a expectativa é que a partir do momento em que as ESCs cumprirem o papel de capilarizar o crédito local, a tendência para médio e longo prazo é que elas colaborem com o fortalecimento da economia municipal, ao fomentar o mercado de crédito perante os pequenos empresários.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e seus bancos associados também são favoráveis à entrada de novos atores nesse setor. Em nota exclusiva ao GBrasil, a organização diz acreditar que a competição nos mercados financeiro e de crédito é um dos indutores mais importantes para o aumento da produtividade e da inovação.
“Somos favoráveis a novos participantes, que atendam a segmentos específicos, contribuam para a consolidação de um mercado de crédito mais inclusivo e competitivo; é o caso da ESC. Avaliamos de forma positiva a introdução de normas que proporcionem um ambiente favorável à ESC, por meio de regras justas que respeitem as particularidades desses novos modelos de negócio, não criem vantagens competitivas desiguais e não ofereçam riscos para os consumidores”, diz a entidade.
Fonte: GBrasil